Brane Mozetič (1958, Ljubljana), publicou o seu primeiro livro de poesia aos 18 anos e ao mesmo tempo começou a fazer traduço es de Arthure Rimbaud. Muito cedo tornou-se uma das mais controversas personalidades da literatura eslovena. Além de Rimbaud, traduziu a poesia francesa contemporânea, algumas obras de Jean Genet e Michel Foucault. Publicou nove livros de poesia, um deles, A obsessão (1991) em França, um livro de contos (1993) e um romance Os anjos (1996). é redactor e editor de uma antologia da poesia homo-erótica do século 20, de uma antologia homoerótica na ficção eslovena e de uma antologia da poesia eslovena contemporânea em língua francesa, publicada na França e no Canadá.
A principal preocupação da poesia de Brane Mozetič é o corpo em diferentes posiçoes, em situações limítrofes, torturado e compungido, frágil e vulnerável, exposto às formas extremadas de entrega ao outro. A poesia leva o erotismo ao corpo, mas não se detém na nudeza, talha na profundidade, corta até o sangue e gira ao redor do paradoxo da entrega simultânea com a dominação; assim a poesia não nasce da entrega estática e da exigência intransigente de tudo, o que produz uma impressão provocante e audaz a causa da escrita desenfreada do amor homossexual, doce e proibido. Nas últimas colecções o erotismo cede lugar à angústia e ao medo. A dor e o sacrifício já não têm sentido, já não são o juramento corporal à paixão e à admiração, mas uma obsessão, uma tentativa desesperada de despertar o gozo pela primeira vez.
Durante vários anos foi o principal actor do movimento gay e do sida, director da primeira revista gay na Europa de leste e organizador de um dos primeiros festivais de cinéma homossexual na Europa. é director de duas edições literárias e organizador das apresentações da literatura eslovena no estrangeiro. Os seus poemas foram publicados em revistas e antologias em várias línguas, participou em festivais internacionais de poesia e recebeu o prémio europeu FALGWE. Trabalha e vive como escritor em profissão livre.



na cela há uma cadeira vazia, de madeira
a luz branca de néon, no tecto
não há janela nem clarabóia na parede, na porta
talvez um olho contemple do canto, de cima,
os dois sentados, sentimo-nos através da pesada
aspera prenda
nada sabemos do tempo, fome ou sede,
nada sabemos do ar,
a nossa pele quase transparente,
a nossa liberdade infinita,
podemos fazer amor, gritar-nos,
rasgar nossos corpos com os dentes
ou apenas cravar os olhos no néon,
os dois, quase candeeiros de petróleo
vazios, empoados no desvão
no meio da cela há uma cadeira
onde brilha o negro cacetete de borracha,
escorregadio,
de cócoras, quietos, estamos cada um em seu canto, nús
o espaço é cada vez mais pequeno, mais luminoso.


Tradução: Luís Filipe Sarmento



silenciosos, os feiticeiros das metrópoles
semeiam impaciência e angústia com as suas mãos
secam os poços, às vezes, nublam a visão do condutor
ou atiram veneno nos vasos do terraço
de noite roubam o sonho das crianças e, aos
seres abraçados toda sensação, todo desejo de se dar
ontem puseram uma soga no vizinho,
privaram a mulher da vontade
a cor das flores, a fragrância dos cabelos
impuseram dores terríveis nas cabeças, o medo no peito
cabisbaixo, inclino-me ante os ídolos
a sua raiva é afiada, sua sede incomensurável
e o sangue não coagula, cada súplica anula-se
os lábios temerosos repetem frases insensatas
as mãos repetem gestos mecânicos
os feiticeiros traçam figuras ocas
cortam raízes, num instante de lassidão
esgotam-nos até à última gota.


Tradução: Luís Filipe Sarmento



desejo ainda mais e mais beijos, as convulsões
dos corpos atados, caminhemos ainda mais devagar
através do bosque, sonhando
que tudo é de outra maneira
nos matizes do tilintar das imagens que criamos
- de madrugada tive pesadelos, sobre a força,
sobre a violência, sobre a renúncia da vida.
levantei-me, aproximei-me aturdido por facas
olhei-as demoradamente, vazio, espremido
depois sentei-me, pensava no irreal
quis-me afundar ainda mais e mais
na eterna delícia da entrega, na pele
no olhar cálido dos olhos, na carícia
rasguei uma longa lista de acessórios
para o assalto, para o combate, para a defesa
vertia àgua e bebia-a, lentamente
longamente, como daqui para lá.


Tradução: Luís Filipe Sarmento



numa noite profunda, quando nem sabes,
me rastejo ao quarto
em silêncio me proximo
sob a luz da vela, observo a tua face
como um feiticeiro
coloco-me as mãos
por cima de ti
quando nem sabes, nem sentes,
quando nem podes me empurar,
deito-me, engostando-me em ti,
suavemente para não te acordar
nesses momentos, penso ditosamente,
que ainda não há perguntas, nem dúvidas
como o rio serpenteamos através do tempo
embaraçados, na profundidade
há ainda peixes, e nas poças
umas mãos, uma boca bebem com paixão
lenta, sériamente, como um ritual.


Tradução: Jasmina Markič



venha para mim, venha,
para abraçarmo-nos mais uma vez,
toda a noite, o dia inteiro
para sentir uma vez mais esse amor
-já viste
como espumeja, bate com a cabeça contra as grades, ou
quando treme ao teu lado,
de medo, o corpo, o corpo?
venha e apaga a luz, apertas-te em mim,
deixa que te ame
que saboreie o deleite dos teus seios
que me entregue a ti, para que me amasses, docemente
me apalpes, ou feres para que te sinta
como em sonhos, como em sonhos.


Traduçäo: Jasmina Markič



amanhece lá fora 
e ele atira uma pedra contra à minha janela
e lentamente dá pequenos passos
apoia-se nas ombreiras
e toca levemente nos meus lábios
com oseu gosto pútrido
tiro as suas roupas e diz-me ser já
a quinta ou a sexta vez nessa noite
por vezes banha-se
antes de se deitar comigo
olha o tecto e cala-se
sinto sua pele ressequida
quando me abraça
por vezes pega num bloco de papel
e desenha linhas trémulas, rostos desconhecidos
apenas perceptíveis, espantosos.


Traduçäo: Luís Filipe Sarmento



desenha para mim
o que nos dois não podemos fazer
desenha os nossos corpos quentes
que se penetram, que se aspiram
os nossos lábios que se calam,
palavras sórdidas do esquecimento
talvez deste modo saberás
como me desejas
o quê? outra vez esse medo?
e tu traças linhas sobre linhas
deixando contornos de terra deserta
sem vida, uma só superfície
tranquilo deito-me sobre ti
e tento absorver-te.


Traduçäo: Luís Filipe Sarmento



há coisas que não sabes dizer
há coisas de que tens medo de dizer
não podes, não deves
poucas vezes se escapa uma frase doce

quando sinto que o frio está perto
são mentiras que na tua pele
deixam rastos, contusões, arranhões,
que longas semanas batem nos olhos

há palavras que escondes
sussurras tímidamente, me abraças
e com os olhos grandes perguntas

quase inaudível, tremendo:
continuarás ainda me amar depois
ou na realidade terei de morrer.


Traduçäo: Jasmina Markič



tenho medo de fazer amor contigo, sabes
não por medo da morte
da destruição, da terra molhada, ou
das longas separações, sentes demasiado pouco

demasiado rápido cortas a ferida, dizes
pensamento vazio e derrubas tudo
em frente de ti, como um furacão levas tudo
alheio e frio, como a vida

sinto medo quando ando pela cidade
que caio, de desmoronar-me ao nada
que a tua pressão me comprima contra o chão

que o rio não desàgua, o sol cai,
a cabeça não arebenta, os sonhos não morrem,
o medo é grande, como o mundo.


Traduçäo: Jasmina Markič



sonhei que morreste
que o quarto estava vazio, a camisa,
o cabide e ao redor de mim cada
vez mais espaços, mais silêncio

debruçado na janela aberta, olhando
para fora, para a escuridão, horas inteiras, esperando
que talvez chamasses, tive medo de dormir
tive medo de fechar as pálpebras

contei os dedos, os botões, contei os passos
com o olhar cravado na noite, tremendo, sussurrava
e espantava todas as imagens contigo

sonhei que os sonhos morreram
que nos estávamos deslizando à profundidade, sozinhos,
vazios, e que jamais aparecerás.


Traduçäo: Jasmina Markič



não levantes as persianas, querido
para que a luz não penetre até nós
e o dia não destrua os sonhos
aninha-te em silêncio junto a mim

para que o sol não ouça, não note
o tempo como nos perdemos em beijos
e talvez passe sem nos ver o velho predador
que sempre transforma tudo em poeiras

mostre-me os teus pensamentos só com toques
só com mordiscos dos teus desejos
e se alguma vez quiseres gritar

lembras-te que tudo ao nosso redor espreita
para enrugar a pele, para que o fogo arrefece
na cinza e o sangue que lambes se endurece.


Traduçäo: Raul Ferreira